segunda-feira, julho 30, 2012

A altitude


A altitude no Rio de Janeiro é diferente. Não vamos subindo devagarinho como acontece nas colinas de Lisboa, em que a curvatura apesar de dificil, é acessível. As colinas são o centro da nossa cidade, enquanto no Rio eles são pontos turísticos ou favelas. Aqui os morros são a pique irrompendo numa cidade plana. Emergem por toda a cidade cortando-a em várias partes e dividindo-a em o povo que sobe e o povo que não sobe ou o faz raramente. Os morros são os lugares em que os brasileiros se comovem a ver a sua cidade amada e como eles sabem amar, como eles sabem dizer que amam (no trem do Corcovado, uma mulher pediu licença a todos para poder dizer um palavão e antes que alguém respondesse ela disse: puta que pariu que esse Rio de Janeiro é mesmo lindo! Teve aplauso). Agora que as favelas são cada vez menos algo que os envergonha, eles chamam-lhes comunidade - e cada palavra inventada por eles (são aos milhares) é sempre um mundo novo que começa.

Se fosse mais nova poderia ser brasileira, mas agora é tarde de mais, para o bem e para o mal tenho a Europa cravada no meu sangue, não sei se poderia ficar. Mas que se respira fora da Europa, isso respira-se e é bom sair para aliviar o sufoco que aí se sente a cada esquina. Exagerando um pouco: aí parece viver-se o fim de uma civilização, aqui o seu começo.

Mais um lugar onde o coração ficou preso mais um bocadinho.

~CC~

Fotograma


As pessoas são tudo o que apetece fotografar, não porque sejam lindas, bem pelo contrário. A garota de ipanema devia ser só aquela, ou quase. Parece que no Leblon há mais mas eu não fui lá. Apetece fotografá-las por serem genuínas, indiferentes a quem as possa olhar, senhoras de si próprias. Mas as pessoas não podem ser fotografadas de qualquer maneira, resisto o mais possível a apontar-lhes a objectiva. Aponto assim para o céu, o mar, o verde, ao mesmo tempo todas essas coisas são também as pessoas porque elas habitam de forma intensiva todos os lugares desta cidade, consomem-na com imenso deleite.

Quase toda a gente se apaixona perdidamente pelo Rio de Janeiro. Eu não me apaixonei por esta cidade porque nunca me apaixono assim, necessito de um tempo de namoro que me permita entendimento. E esta cidade necessita desse tempo porque é profundamente complexa se quisermos ir além da superfície. Não é uma mas várias cidades que se justapõem e intercomunicam por pontes, tuneis e escadarias. Poderia, no entanto, apaixonar-me.

Enseada do Flamengo, Julho de 2012

~CC~

terça-feira, julho 17, 2012

Esse oceano...



Da primeira vez de barco, ainda uma menina.
Da segunda vez de avião, ainda uma menina.
Da terceira vez e quarta vez até meio - embalada nas terras da Morna (duas vezes)



Para Moçambique e Angola vi pouco azul, voámos grande parte do tempo por cima da continente africano.
Da quinta vez até às ilhas de Bruma.


Agora eu quero cruzar esse oceano inteiro, abraçar alguém do outro lado.
(tanto mar... e dizem que está frio lá)

Está quase...Volto já.
~CC~





sexta-feira, julho 13, 2012

Um certo enlevo tecnológico


Para não pensarem que vivo no tempo dos povos recolectores, dado o gosto pela não interferência com a natureza (ai, ai...o comentandor ali abaixo até diz que fica tudo bem porque eu tiro as couves para que as papoilas possam crescer) , devo dizer-vos que ontem estive todo o dia num centro de tecnologia inovadora a saber mais sobre robótica (quem diria que o lego afinal se mexe?) , impressoras a três dimensões e um gigante chamado watson. Às tantas um dos monitores/professores, num momento mais informal, pediu-me para segurar uma caixa de fósforos grande, como nunca se sabe bem o que passa pela cabeça destes génios, pensei que ela ia acender a impressora ou qualquer coisa do género, mas ele disse: abra! E claro que eu cumpri ordem tão imperativa...pois, lá dentro estava um computador!

Não vesti a camisola como todos os que ali estavam (são assim estas empresas, qualquer coisa científica é simultaneamente promocional) mas quase....

~CC~



quarta-feira, julho 11, 2012

A contemplação verde


Seria maçador explicar-vos as razões porque fiz o meu ensino secundário numa escola profissional de agricultura. O que importa é que descobri lá o que ainda hoje suporta a minha relação com a natureza: a contemplação é o melhor que podemos fazer por ela. Não me seria possível trabalhar em nenhum ramo da agricultura, embora mantenha o meu fascínio por hortas domésticas e estufas de cactos e flores.

Observo as plantas da minha varanda com carinho e dou-lhes apenas água, não faço rigorosamente mais nada por elas a não ser votar-lhes diariamente alguns momentos de contemplação. Vejo as folhas que cresceram, as que definharam, o modo como se inclinam com o vento, a dificuldade que algumas têm com o frio, o modo como gostam do calor. Pela primeira vez a roseira tem dois botões: uma das rosas nasceu há quase mês e meio, outra é ainda um botão.  Fico estupidamente contente porque pela primeira vez esta roseira dá mais que uma rosa por Primavera/Verão, atribuindo à cumplicidade do meu olhar essa maior produtividade. Não, não poderia certamente trabalhar no ramo.

~CC~

quarta-feira, julho 04, 2012

Prémio


Costumava sempre dizer que não tinha estudado no tempo dos prémios, dos quadros de mérito e de progressão, enfim, nunca tinha recebido nada pelos números quase sempre bons que as pautas mostravam no lugar do meu nome. Por alguma razão que está por certo escondida entre as camadas inferiores da pele também nunca tive auto estima muito elevada em área nenhuma. Quando iniciei o meu doutoramento achei durante muito tempo que não o ia terminar, não por falta de trabalho, mas por ser realmente uma área complexa da qual sabia muito pouco.

Misturei umas lagriminhas que correram ao longo dos cinco anos com muitas doses de boa disposição, continuidade do trabalho na escola em dose que não diminuiu muito e dois amores  de natureza difernete mas igualmente trabalhosos, desafiantes. Também tive dois orientadores na tese, absolutamente diferentes e cada qual essencial. E agora ganhei um prémio pela tese de doutoramento! 

Querem saber do que me orgulho mais? Não é da tese propriamente...mas de ter tido uma mãe doméstica, um pai polícia (ambos pobres), de eles se terem divorciado, de eu ser retornada, de ter morado numa casa ocupada e depois num quarto alugado onde viviam quatro pessoas, de ter mudado depois de casa várias vezes, de por vezes não ter um tostão que fosse nem para livros nem para mais coisa nenhuma. O orgulho está no corte com o estigma da pobreza e da desgraça, é isso que vale este prémio, a hipótese de que o mérito pode valer alguma coisa mesmo num país como este.

~CC~